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terça-feira, 3 de junho de 2014

Capítulo 2~

"Ela se debate nos espaços
Entre lágrimas e sonhos de calêndula
Ela faz o sol se virar a seu favor
Ele ilumina o palco para ela"
~Ballerina (Olivia Lufkin)



ALLANA
Acordei com uma leve dor de cabeça, notando que usava uma roupa diferente da noite anterior e estava com meu longo cabelo ensebado. Eu deveria estar morta... Eu acho.
Sentei-me na cama, olhando para um garoto molhado e com as mangas da blusa de frio sujas de sangue. Ele dormia jogado na poltrona, parecia que ia cair dela a qualquer momento.
- Dan? Acorda.
- Hã, hã? - Parecia que estava drogado com essa cara de quem acabou de acordar. Não pude deixar de sorrir. - Porque esta rindo?
- Você está acabado.
- E a culpa é sua.
Lembrei-me então que apesar do cabelo, estava limpa e com gaze na perna.
- Foi você que fez isso?
- Sim... - Ele corou?
- Você me viu nua? - Arregalei os olhos e coloquei minhas mãos na gola do meu vestido, escondendo meus seios que apareciam um pouco por baixo do tecido.
- Acredite. Se você não tivesse feito aquela palhaçada, não precisaria ser obrigado a te ver nua.
- Desculpe... - Abaixei a cabeça, com uma lágrima saindo sem permissão dos meus olhos.
Em pouco tempo ele estava do meu lado, levantando meu rosto pelo queixo e limpando minha lágrima.
- Pare de chorar. Sabe que não está sozinha e não é a única a sofrer por nosso pai.
- Você sabe que estou sozinha.
- O que eu sou para você Allana?
- Você nunca se importou comigo, Dan. Sabe disso. Não aja como um irmão quando já é tarde demais.
Ele me segurou pelo pulso.
- Não é tarde demais, Allana! Não foi tarde demais quando eu estava lá no terraço essa noite, pra salvar uma menina que não tem o mínimo de maturidade.
- Eu não pedi pra ser salva. - Afastei meu pulso com voracidade.
Ele ficou quieto por um tempo, e saiu com raiva do quarto. Eu não sabia o que pensar, só pude concluir que ele estava com pena. Cuidou de mim por pena. Se não fosse isso, o que mais seria? Ele nunca me deu atenção, nunca tocou em mim. Nunca me tratou como irmã e muito menos como alguém da família que vive sob o mesmo teto que ele.
- O que você fez com o Daniel? - essa voz, que não escuto há dois dias e não gostaria de escutar nunca mais.
- Não fiz nada. - Disse sem olhar em sua direção.
- Como não? Ele está encharcado e com as mangas sujas de sangue. Com certeza o sangue é seu!
- E por quê não pergunta pra ele?
- Você o deixou bravo! Como se já não bastasse matar seu próprio pai, ainda quer dar trabalho pro seu irmão!
Fiquei quieta. Ela pegou no meu ponto fraco. Lutei para que nenhuma lágrima saísse e virei o rosto para a luz forte da janela. Antes que a lágrima insistente fizesse embaçar meus olhos, escuto uma voz.



DANIEL
- Mãe. Cala essa maldita boca e a deixe em paz - Ralhei com raiva, assim que ouvi o que ela dizia pra Allana.
Minha mãe calou na hora, chegando perto de mim e me olhando com ternura.
- Estou bem, estou bem.
- Vou comprar uma roupa nova pra você, anjo.
E saiu.
Ela estava chorando na cama. Eu não sabia o que dizer...
- Me ajude a te ajudar, ok? - Sentei na cama, ficando de frente pra ela.
- Eu não quero sentimento de pena.
- Eu não sinto pena de você Allana... Só que... Apenas confie em mim.
Ela olhou para mim, aqueles olhos verdes brilhando reluzentes. Ela era a única da família com os olhos verdes. Minha mãe e eu temos olhos azuis e cabelos loiro-bronze. Já meu pai, tinha cabelos tão negros quanto o de Allana, mas seus olhos eram castanho-escuros. Quando perguntei uma vez o porquê de seus olhos serem diferentes, meu pai apenas disse que nossa avó tinha os olhos verdes e por infelicidade do destino, ele nascera com olhos escuros como nosso avô.
- Apenas confie, Allana.
- Você vai me deixar triste? - Sua voz era fina como de uma criança de cinco anos.
- Não, não vou. - Não tinha muita certeza do que disse, mesmo assim quis confortá-la de alguma forma.
- Promete? - Ela pegou na minha mão, que estava repousada na cama.
- Prometo. - Senti o calor da mão dela, um calor tão gostoso que me fez muito bem. Estranhamente bem. Aliás, por quê nunca me aproximei dela mesmo?
Acho que fiquei muito tempo olhando para nossas mãos, que ela retirou a sua de cima de mim e levantou-se, cambaleando, por causa da perna. Levantei-me rapidamente para segurá-la.
- Estou bem, só dói um pouco. Vou tomar banho.
- Eu vou ver com a enfermeira quando será sua alta.
- É hoje!
- Sua perna ainda está horrível! Ela pode infeccionar e talvez precise ficar mais tempo aqui.
- Ah, Dan. Eu trato isso em casa, não é nada... - Ela fez sua habitual cara de criança quando é contrariada.
- Vai logo tomar banho, Allana! - Virei-me em direção à porta, enquanto ela entrava no banheiro.
Andei pelo mesmo corredor que correra de madrugada e fui em direção à recepção.
- Gostaria de saber se a paciente do quarto 135 vai poder ir para casa hoje.
A enfermeira não disse nada, apenas digitou algo no computador e foi procurar a ficha de Allana em um dos enormes gavetões atrás dela. Em menos de um minuto já trazia a ficha para o balcão.
- Acho que a enfermeira James vai precisar verificar a perna dela. Além de fazer uns exames profundos pra ver se ficará alguma sequela e se ela se encontra apta para voltar às suas atividades rotineiras.
- E onde está a enfermeira James?
- Ela está na Ala Pediátrica no momento. Assim que ela voltar, eu peço para que vá ao quarto da paciente.
- Ok. Obrigado.
Virei-me para voltar ao quarto de Allana.
- Querido! - Minha mãe vinha de encontro a mim, com três sacolas, todas de lojas distintas.
- O que é isso aí? - Olhei para as sacolas.
- Suas roupas, meu anjo. Você precisa trocá-las!
- Trouxe alguma coisa pra Allana? Ela usou o vestido que era para ser usado hoje, quando recebesse alta. Provavelmente está sem roupa limpa.
- Não trouxe, ela não precisa disso. - Ela sorriu resplandecente.
- Então volte e compre roupas novas para ela. - Me virei e de costas, conclui: - E na cor rosa.