“Baby,
este mundo está
Diferente de ontem
Não consigo ver ninguém além de você
Baby, meus desejos estão em asas
Que rasgam o céu
Em uma palavra que transborda” ~Wish (Olivia Lufkin)
Diferente de ontem
Não consigo ver ninguém além de você
Baby, meus desejos estão em asas
Que rasgam o céu
Em uma palavra que transborda” ~Wish (Olivia Lufkin)
ALLANA
Não
sei o que realmente aconteceu nessa madrugada. Eu estava atordoada, em êxtase,
como se eu só conseguisse enxergar uma solução: a morte.
Mas
o que Dan fez me surpreendeu de uma forma muito intrigante. Ainda no banho, não
consigo imaginar como ele poderia ter mudado. Não sei, mas nunca em toda a
minha existência, pude acreditar que Dan me salvaria, me daria um banho e
cuidaria do meu machucado, que por sinal dói pra caramba nessa água quente.
Inerte
em meus pensamentos, eu começo a pensar em nosso passado. Dan nunca foi mau
comigo, mas para ele eu não existia. Eu sempre fui ignorada por ele em todas as
nossas conversas em família. “Família” em termos, já que para minha mãe eu não
era considerada uma filha. Papai sempre me advertiu quando eu dizia isso, pois
ele falava que ela agia assim porque sempre teve muitos problemas no trabalho e
às vezes tinha a tal da TPM. Mas apesar disso, evitava indagar que ela agia de
forma diferente com meu irmão, de forma mais amável. Não fazia questão de
perguntar o porquê da diferença simplesmente porque eu tinha meu pai do meu
lado. E toda vez que meu pai me dava atenção, sentia o olhar do meu irmão sobre
mim, com raiva. Ou ciúmes. Não sei muito bem o que se passava na cabeça dele,
mas eu sempre achei que me odiasse, mas não demonstrava esse ódio tanto quanto
a minha mãe.
Lembro-me
que uma vez quebrei o vaso grego dela, que valia mais de 20 mil dólares,
enquanto brincava de bola com Harry, nosso labrador dócil e bagunceiro. Joguei
a bola tão longe que ela quebrou os vidros da janela e atingiu direto o vaso
enorme que ocupava a sala. Eu tinha apenas sete anos, não sabia o valor de 20
mil. Para mim, um vaso era um vaso! Mamãe ficou furiosíssima e pelo seu olhar,
parecia querer me matar com os olhos. Se não fosse papai, talvez ela teria me
jogado pela janela! Ficou por tempos dizendo para mim que o vaso que eu quebrei
valia muito mais do que minha vida de criança bagunceira. Superei porque papai
simplesmente dizia que fora um vaso passado de geração em geração e que mamãe
amava demais aquela coisa antiga. Acho que no fundo, papai também odiava aquela
porcaria que só criava poeira...
Fui
crescendo e parando de me importar com a mamãe. Apesar de ainda amá-la, mesmo
que não receba o mesmo afeto, já não me importo mais com suas neuras. Assim
como havia parado de me importar com meu irmão, que sempre fazia questão de
fingir que nunca existi na sua vida. Até essa madrugada.
Aqui
nesse boxe, corei violentamente. Provavelmente ele teria me lavado na banheira.
Por quê fizera isso? Ele sempre me ignorou e de um dia para o outro, decidiu
que eu deveria "lhe ajudar para me ajudar". Eu não teria acreditado
em suas palavras de hoje, se não tivesse por livre e espontânea vontade, doado
seu raro sangue “O” negativo e me salvado nessa madrugada da minha... loucura
momentânea. E pior, se não tivesse me dado banho, colocado roupas limpas e
ainda cuidado do meu ferimento. Eu gostaria de saber o que se passa na cabeça
dele...
-
Allana? Está bem? - Era Dan batendo na porta do banheiro. Acho que fiquei tempo
demais no chuveiro, me ensaboando. Meus cabelos ainda estavam com condicionador
e minhas mãos enrugadas.
-
Estou sim. Já estou indo! - Terminei rapidamente e saí do boxe. Então percebi
que não restou nenhuma vestimenta útil para que eu pudesse usar. "Não
acredito", falei alto comigo mesma. Decidi vestir o mesmo vestido rosa que
dormira e logo saindo do banheiro secando os cabelos encharcados.
-
Não se preocupe. Nossa mãe foi comprar uma roupa nova pra você - Disse, como se
tivesse lido meus pensamentos.
-
Você pediu pra ela?
-
Sim.
Ele
sentou-se na minha cama e ligou a TV que fica num suporte, no alto. Além de
comerciais inúteis, desenho animado e noticiários da cidade, ele colocou num
canal de esportes. Muito, muito chato.
Sentei-me
na poltrona e fiquei olhando para o nada, perdida em pensamentos.
-
Por quê?
Ele
olhou para mim.
-
Por quê o quê? - Disse entediado, mas sabendo o que eu queria dizer. - Vai
insistir com isso de novo Allana? As coisas em casa vão mudar.
-
Não tenta assumir a responsabilidade do papai, você não precisa se
sacrificar... Só... Seja você mesmo...
-
Você não enxerga ainda né Allana? Tudo vai ser diferente agora, você querendo
ou não! - Ele já demonstrava um pouco de raiva na voz - Sabe o inferno que
nossa mãe vai finalmente fazer na sua vida?
-
Desde quando você se importa? - Disse, já me arrependendo ao vê-lo levantar com
fúria e vir até mim.
-
Desde quando você tentou se jogar da porra do décimo andar, Allana! - Seu
rosto, tão branco quanto a neve, se tornara mais vermelho que um pimentão.
Não
tinha muita coisa a dizer sobre o ocorrido dessa madrugada.
- E
o que você acha que ela vai fazer? Me tratar como uma cinderela?
Ele
se acalmou ao ver que não me afetara com sua fúria e voltou a se sentar na
cama.
-
Isso não é um conto de fadas, Allana.
- É
só expressão. Aliás, não sei porquê diz isso... Eu acho que ela apenas está
brava comigo por ter incitado...
-
Você não teve culpa se o motorista do caminhão estava alcoolizado. Mas ela faz
questão de sempre achar um jeito de te denegrir, nunca percebeu isso?
-
Acho que você está ficando doido - Menti - Não acho que ela me odeie...
-
Você deveria enxergar mais as coisas ao seu redor. Vamos ser sinceros Allana,
nosso pai dava mais atenção para você do que para mim e para nossa mãe. Por
isso nunca cheguei perto de você. Nosso pai te mantinha sob toda e qualquer
proteção possível. Isso sempre deixou nossa mãe furiosa, fazendo-a ter certa
aversão a você.
- Você
também tinha.
-
Não, Allana. Não era exatamente aversão... Era ciúmes... - Ele corou um pouco,
algo que não é habitual de sua personalidade.
- Do
papai? Mas ele também te dava atenção.
-
Não era exatamente do nosso pai...
-
Voltei meu filho! - A voz fina na porta nos fez perder o foco da conversa. -
Trouxe o que me pediu!
Pela
cara dela, nem parece que perdeu um marido há mais ou menos dois dias atrás...
-
Entregue para a Allana. - Dan ordenou à ela, que como sempre, obedeceu sem
pestanejar.
-
Tome aqui. - Ela entregou três sacolas para mim.
-
Obrigada.
Ela
deu um pequeno sorriso e se virou.
-
Vamos sair para ela se trocar, Dan.
Mamãe
saiu na frente e Dan ia se levantar da cama quando o segurei pelo braço,
cochichando perto dele.
-
Você pode me explicar depois o que exatamente mamãe sente sobre mim?
-
Posso te explicar o quê eu acho que ela sente... - Ele sorriu - Vou deixar você
trocar de roupa.
DANIEL
Pude
sentir o cheiro do condicionador de morango dela. Então me desvencilhei de seu
toque e saí do quarto para que pudesse se trocar.
Minha
mãe estava sentada na recepção, lendo uma revista qualquer. Sentei-me do seu
lado, olhando um canal de programa culinário na TV.
Allana
me pediu para lhe dizer o que nossa mãe achava dela. Particularmente, eu acho
que ela sente muito ciúmes de Allana. Claro, nosso pai sempre deu tudo para ela
e às vezes preferia passear no parque com os filhos do que ficar com a esposa.
Não posso dizer que nosso pai não me dava atenção, mas era perceptível o amor
que Allana tinha dele.
Só
que nunca me importei com isso. Eu não me importo com afetos, apesar de receber
exageradamente da minha mãe. Eu sempre sabia que podia contar com o meu pai a
hora que eu precisasse, pois ele sempre estaria ali.
O
interessante era o tratamento que dava pra minha mãe. Não parecia ser amável,
era mais como obrigação de marido. Então minha conclusão para Allana era que
nossa mãe tinha ciúmes dela com nosso pai.
-
Filho? - Acordo do transe de pensamentos e olho pra minha mãe. - Não sabia que
gostava tanto de culinária...
- Só
estou pensando...
-
Não precisa se preocupar com a sua irmã, ela vai ter alta logo. E amanhã será o
enterro do seu pai. Nós vamos superar isso juntos.
-
Espero que o “juntos” seja você, Allana e eu. - Cruzei os braços, largado na
poltrona da sala de espera. Estava contando o tempo de cinco minutos para ver
se ela já havia se trocado. - Por favor, vamos ser mais unidos, pelo meu pai.
-
Claro, filho... - Ela respondeu, voltando à revista.
-
Vamos ser mais atenciosos com a Allana, ela precisa da gente.
-
Mais atenção do que ela já recebeu em dezenove anos?
-
Ela viu o pai morrer e não pôde fazer nada. Por quê a odeia tanto?
- Eu
não... - Ela respirou fundo, talvez buscando a resposta certa. - Eu a amo,
puxa... Ela é minha filha, como você! Você sabe que minhas brigas com ela foram
merecidas.
- E
exageradas. - Completei entredentes.
-
Ela sempre foi uma criança muito arteira, sabe disso. Ela fazia mais bagunça
que você. - Voltou a ler sua revista - Às vezes merecia um puxão de orelha.
- Só
por isso você implicava com ela?
-
Com o que mais seria? - Ela sorriu, ainda com os olhos na revista. Cogitei na
ideia de não acreditar no que ela disse.
-
Não sentia ciúmes?
-
Mas é claro... Não podia ter seu pai só pra mim porque ele dava atenção para a
filha. E para você também, sabe disso. Mas é um ciúme bobo, meu filho. Coisa de
esposa com o marido... Todo cônjuge vai sentir isso um dia, quando ver o outro
dando atenção demais para os filhos. - Ela deu uma risada, talvez insistindo
que eu acreditasse nisso. Não pensei em outro motivo para não acreditar...
Levantei-me,
dizendo que iria até o quarto de Allana. Ao chegar lá, vejo a enfermeira James.
Ela é ruiva, um pouco gorda e de olhos esverdeados. Ela tem uma cara de dar
medo, mas é muito simpática.
-
Como você fez isso mocinha? O machucado era para estar bem melhor hoje. - Disse
ela olhando o ferimento. - Diga-me Allana, como você deixou ele nesse estado?
Antes
que Allana (que é péssima com desculpas esfarrapadas) respondesse, me adiantei:
-
Ela caiu ontem, enquanto ia para o banheiro no escuro. Sorte que eu acordei com
o baque e fui atrás dela.
-
Ainda bem que você tem um ótimo irmão, não é Allana? - A enfermeira sorriu
contente para Allana, que ficara um pouco envergonhada.
- É,
é sim – Disse baixinho.
Por
um pequeno momento me senti feliz.
- E
que horas vou ter alta?
-
Hoje é domingo, Allana. Descanse aqui um pouco mais. Coloquei um pó
cicatrizante no seu ferimento, então deve evitar mexer a perna o dia todo se
quiser receber alta.
-
Então ela não vai poder receber alta hoje?
- À
noite eu peço a liberação dela. Eu quero que esse remédio aja em seu machucado.
Além disso... - Ela tirou um saquinho do bolso . - Sei que não poderia fazer
esse tipo de coisa, mas tem mais do remédio aqui e você vai ter que usá-lo
diariamente, se quiser se curar logo.
- É
o remédio que você colocou agora? - Ela disse olhando para o saquinho
transparente com um pózinho branco.
- É
sim! Vou explicar certinho pro seu irmão fazer isso! - Ela sorriu e entregou o
remédio para mim.
-
Não tudo bem, eu posso passar sozinha. - Allana interviu, mas pareceu que a
enfermeira não lhe deu muita atenção e se virou para mim. - Você precisa
passar, com o ferimento bem limpo e lavar no outro dia, quando ela tomar banho.
E evitar que ela mexa a perna. Acho que o ferimento vai cicatrizar em menos de
uma semana. Nesse tempinho, ela não vai poder ir à escola e tem que tomar
cuidado em tudo que for fazer.
-
Entendi. - Coloquei o saquinho no bolso da blusa, lembrando-me que ainda estava
com a roupa suja de sangue.
- O
que é isso? - A enfermeira viu o sangue de Allana na minha blusa.
- Eu
lavei o machucado dela nessa madrugada...
-
Como sempre, irmão exemplar.
Sorri,
um pouco corado. Se a enfermeira James soubesse...
-
Bem, vou trocar de roupa. - Apressei-me indo com as sacolas que minha mãe
deixara num canto do quarto e fui até o banheiro.
Ela
comprara uma camiseta polo azul clara e uma calça jeans escura. Não esqueceu da
cueca preta e também trouxera um par de meias e sapatos confortáveis. E uma
toalha.
Tomei
um banho rápido e me vesti com a roupa limpa, não esquecendo de retirar o
remédio do bolso da blusa suja. Quando saí do banheiro, Allana estava sentada,
com a perna esticada na cama.
-
Azul combina com seus olhos. - Ela sorriu. - Como eu vou me trocar se não posso
mexer as pernas?
-
Nem pense que vou trocar você de novo. Vou chamar a nossa mãe.
-
Não, mamãe não. Eu me viro.
-
Ok. Estou saindo então! - Peguei a sacola com a roupa suja e saí do quarto.
-
Mãe! - Chamei-a quando cheguei na recepção do hospital. - Allana precisa de
ajuda para se trocar.
Ela
fez uma cara de tédio e se levantou do sofá, sem dizer uma palavra. Me sentei
onde ela estava, folheando algumas revistas femininas sem a menor paciência.
Marquei a hora para que daqui quinze minutos, voltasse para o quarto. Mal
esperava a hora em que Allana receberia alta e fôssemos finalmente para casa.