“Quando eu estico a minha mão,
Eu sinto você,
Mas você está longe
Está nas minhas lembranças.
Quando eu fecho os olhos,
Posso ouvir sua voz” ~ A Little Pain (Olivia Lufkin)
Eu sinto você,
Mas você está longe
Está nas minhas lembranças.
Quando eu fecho os olhos,
Posso ouvir sua voz” ~ A Little Pain (Olivia Lufkin)
ALLANA
A
demora estava demais. Peguei o mp3 que Dan deixara na minha cama e o liguei,
ouvindo o saudoso som da minha Olívia através do fone de ouvido. Acabei caindo
no sono, mesmo tendo dormido bastante no hospital durante o tempo que fiquei
lá. Estava tocando "A little pain", uma das minhas músicas
preferidas.
"Eu esqueci de sorrir para ser
forte..."
Com
o pensamento no meu pai acabei adormecendo e sonhando com aquele dia no parque,
na foto. Mas no sonho, meu irmão estava junto, sorrindo para mim. Mamãe era
quem estava com a câmera tirando fotos aleatórias até pedir que alguém tirasse
uma foto da família inteira.
"Note que eu estou aqui esperando por
você, mesmo se o futuro for diferente agora. Estou aqui esperando por você.
Gritando..."
-
Allana? Allana? - Dan chacoalhava meus ombros de leve. Quando voltei a mim, a
música já tinha terminado. Tirei os fones e o encarei.
-
Puxa, pipoca de caramelo? Deve estar muito bom! - Peguei minha vasilha,
deslumbrando as pipocas normalmente brancas, estarem amarelinhas.
-
Segure aqui - Ele ofereceu o copo vazio e eu o peguei. Ele encheu de
refrigerante e tomei um gole, deixando o líquido geladinho descer pela
garganta. Em seguida, coloquei uma parte considerável de pipoca na boca.
-
Cuidado para não se engasgar! - Ele sorriu e retribui o sorriso sem perceber.
Então ligou a televisão em um canal que passava um desenho qualquer da Disney,
daqueles cômicos e divertidos de ver.
Começamos
a assistir, sentados na cama de Dan, com as costas na parede.
-
Amanhã você vai ao colégio? - Perguntei, terminando minha pipoca, enquanto o
desenho estava no comercial.
-
Não. Eu vou ficar aqui cuidando de você e da nossa mãe.
-
Você não precisa...
- A
Universidade ficou sabendo do acidente... Tenho uma semana livre... - Ele falou
olhando para frente, colocando mais pipoca na boca.
-
Ah. - sussurrei. Terminamos nossa pipoca em silêncio e ele levou toda a louça
suja para a cozinha. Senti-me debilitada por não poder ajudar em nada por culpa
desse machucado feio, que me deixaria com marcas, não só físicas, pro resto da
vida.
Suspirei
fundo, pensando na semana tediosa que teria.
- Em
uma semana você estará boa, Allana. - Dan estava encostado na porta. Pareceu
até que leu meus pensamentos.
-
Sim, eu sei. - Respondi seca, voltando minha atenção à TV.
-
Algum problema? - Ele sentou do meu lado novamente, voltando a ver o desenho.
-
Não tenho nenhum Daniel. Apenas com a perna debilitada, sentindo a falta de
alguém importante na minha vida e sendo obrigada a lhe pedir até para ir ao
banheiro. Meu Deus, como eu vou tomar banho se não posso ao menos mexer a minha
perna?
-
Nossa mãe dará banho em você. Você não está sozinha.
-
Papai precisou morrer para que você se importasse comigo?
Aquilo
foi o fim para ele. E desejei engolir as palavras que soltei como se fosse um
tapa em sua cara.
DANIEL
Saí
do quarto, quieto. O que ela me disse me deixou furioso. Mas no fundo, eu sabia
que era verdade. Se nosso pai ainda estivesse vivo, eu ainda a veria como uma
criança tola e insuportável.
Eu
estava no quarto dela, sentado em sua poltrona vermelha. Nossos quartos eram
tão pertos que qualquer ruído daqui era ouvido no meu quarto e vice-versa.
Então escutei passos. Saltos finos que atravessavam o corredor em direção ao
meu quarto.
-
Onde está o Daniel? - A voz seca da minha mãe quando falava com a Allana era
inconfundível.
-
Deve estar no banheiro. - Ela disse um pouco baixo, e de forma normal, como se
a minha mãe não tivesse sido rude.
-
Pois bem. Me escute Allana. Eu quero que você fique longe do Daniel. Ele já
passou por coisas demais pra se preocupar com uma criança como você. Saiba que
não terá a mesma atenção que teve com seu pai, porque agora você será obrigada
a crescer. - Escutei seu salto fino batendo com voracidade no chão do meu
quarto.
Ela
consegue ser ridícula quando quer.
-
Não se preocupe mãe. Quando eu melhorar a minha perna, não vou atrapalhar mais
ninguém...
-
Isso mesmo querida. Saiba que isso é para o bem dos dois.
-
Para o bem do Dan, você quer dizer.
-
Dos dois. - Senti cinismo de sua parte. Me levantei, indo em direção à
discussão. - E saiba que prefiro que você vá dormir no meu quarto. Não desejo
que você durma no mesmo quarto do seu próprio irmão, isso é...
- Se
deixar a Allana no seu quarto, ela vai precisar de muitas coisas que você não
terá a mínima paciência de fazer. Você sabe que eu sou mais capaz de fazer um
trabalho de “mãe” do que a nossa própria mãe. - Disse com rudeza na voz.
Minha
mãe ia dizer algo, mas preferiu se calar e sair da sala. Mas na porta, disse:
- Só
espero que ambos saibam se cuidar.
Olhei
para Allana, sem entender o que nossa mãe quis dizer com isso.
- Você não precisa se preocupar com o que ela
diz. Acho que pode ficar desse jeito por no mínimo um mês...
-
Concordo com você, Allana... Enquanto isso, não leve nada do que ela diz à
sério, tudo bem? Ela pode te perturbar muito. E a mim também...
-
Dan... me desculpe pelo que eu disse...
Sentei-me
na cama e olhei seu machucado que precisava ser limpo e colocado uma nova gaze.
O saquinho com o “pózinho mágico”, como Allana dizia, estava na escrivaninha.
- Eu
pensei nisso Allana. Você está certa quanto ao que disse, ele precisou morrer
para que nos aproximássemos. Mas não quero que veja dessa forma a partir de
agora, por favor.
-
Tudo bem Dan. - Ela sorriu com sinceridade para mim e me senti em êxtase,
feliz.
Minha
mãe apareceu novamente no quarto.
-
Dan, o Charlie está na sala. Eu vou ajudar a Allana no banho, enquanto isso, converse
com ele.
-
Claro. Pode deixar que eu faço o curativo nela.
-
Você acha que a sua mãe é incompetente?
-
Claro que não.
-
Pode ir.
Olhei
para Allana, para que se lembrasse do que eu disse e saí.
Desci
as escadas e Charlie estava sentado à minha espera.
Charlie
tem a minha idade, mas é bem ruivo e usa óculos. Mesmo com a cara feia que ele
tem, ainda faz bastante sucesso entre as garotas. É meu melhor amigo de
infância e completamente apaixonado pela minha irmã. Ela, desligada, nunca
notara as vezes que ele lhe entregava flores e bombons no dia dos namorados,
lhe falava palavras bobas e era sempre cordial com ela. Além disso, fazemos a
mesma faculdade, na mesma sala.
- E
aí parceiro? Meus pêsames, vou sentir muita falta do Sr. Hawkeye. Ele era como
um tio para mim. Estarei no funeral amanhã...
- E
aí Charlie. Obrigado por vir me visitar, está tudo meio complicado aqui.
- E
a Allana, está bem? - Sabia que ele não demoraria a falar sobre ela.
-
Ela está bem, apesar do machucado na perna. - Disse com desinteresse.
-
Machucado? Quero vê-la. Será que ela sente muita dor? Queria cuidar dela.
- É
pra isso que ela tem um irmão. - Disse seco. Já estava odiando o assunto
“Allana”. - E a faculdade?
- Ah
sim, um irmão que nunca ligou pra ela.
-
Cala a boca Charlie. - Fui rude ao extremo, fazendo-o se retrair um pouco. -
Ela está tomando banho agora, mas quando ela estiver vestida você pode vê-la.
-
Nunca achei que estaria vivo para te ver com ciúmes da Allana. Enfim, a
faculdade está exatamente do mesmo jeito. Menos pela Cathy, que diz sentir sua
falta.
-
Aquela... - Segurei o palavrão que sairia da minha boca (que na verdade, seria
um elogio para Cathy) e lembrei-me das vezes que aquela imbecil me fez de
idiota. Em pensar que a amava, mas hoje apenas sinto nojo.
-
Não tem nem palavras pra dizer sobre a expressão que está fazendo agora. Deve
estar pensando na Cathy não é? Pela sua cara, parece até que é o assassino de
algum filme. - Charlie deu risada da própria piada. Se é que isso é uma piada.
Continuamos
conversando até minha mãe descer as escadas.
- A
Allana está vestida e com o curativo feito. Querem subir?
ALLANA
“Nossa,
como seu machucado está feio! Espero que sare logo”. Essa foi a única frase
dita pela mamãe durante todo o processo do banho e curativo. Ela permaneceu
quieta durante todo o tempo. Me deu um banho muito bem dado e fez o curativo de
forma tão bem feita como se meu irmão tivesse feito.
-
Vou chamar o Daniel.
Acenei,
sem dizer nada. Aliás, ela nem esperou minha resposta pra sair do quarto, mas
em pouquíssimos minutos meu irmão e Charlie estavam na porta.
-
Allana! Você está bem? - Charlie chegou rapidamente na beira da cama e segurou
minha mão. Corei feito uma boba.
Charlie
é o tipo de garoto que não tem noção do quanto é bonito. Ele é alto,
inteligente e bem ruivo. Possui algumas sardas bem clarinhas no rosto, só dá
pra ver quando chega bem perto dele, como estou agora. Ele é bem atencioso
comigo, acho que me trata como uma irmã mais nova. Algo que meu irmão de sangue
nunca fez, pelo menos até uns dias atrás.
- Já
chega. Deixa minha irmã descansar, Charlie.
- Eu
estou bem sim, Charlie. - Respondi, sem prestar atenção no que meu irmão disse.
- Só a minha perna que me impede de me locomover.
Ele
olhou para a minha perna, com o pozinho branco por cima.
-
Deve estar bem feio... Mas não se preocupe Allana, você estará bem logo pra
poder dar um passeio no parque comigo. Com direito a sorvete de dois sabores! -
Ele sorriu mostrando os dentes perfeitos e brancos. Meu rosto deveria estar
muito vermelho, assim como o do meu irmão.
-
Posso escolher brigadeiro e cereja?
-
Qual sabor quiser!
- Eu
prometo melhorar logo! - Disse como uma criança.
-
Acho que está na hora de você ir embora Charlie, a Allana precisa descansar.
Charlie
se virou pro meu irmão e fez uma careta que não consegui notar muito bem. Mas
se voltou rapidamente para mim:
-
Bem, de qualquer forma, já estou indo. Preciso dar uma passada na empresa do
meu pai. - Ele beijou minha mão, cordialmente, me fazendo corar novamente. -
Sabe, aquela coisa boba de ações...
-
Acho que ninguém quer saber das ações da empresa do seu pai, Charlie. - Disse
rudemente meu irmão. Algo estranho, já que nunca tratou Charlie dessa forma.
Charlie
bufou e saiu do quarto, seguido por Dan. Não pude ouvir muito bem a discussão,
mas não me importei.
Em
poucos minutos, Dan estava novamente na porta do quarto.
- O
jantar está quase pronto.
-
Dan, por que foi tão rude com Charlie?
- Se
importa com ele mais do que se importa comigo?
-
Claro que não, seu idiota. Você é meu irmão, não ele.
-
Então não se preocupe com a discussão. - E saiu, antes que eu pudesse dizer
qualquer outra coisa.
"-
Coloque o cinto de segurança, Allana! - Ele estava tão belo quanto da última
vez que o vi. Acenei e obedeci. - Não quero que se machuque se houver acidente.
Nunca pode esquecer do cinto.
Mas
o cinto de segurança não fora suficiente para o salvar.
Uma
luz forte invadiu meu rosto. Um caminhão. Sangue. Os olhos negros e sem vida do
meu pai, me observando, enquanto eu estava ali, sentindo dor em todos os
lugares.
Não!
Por favor..."
-
PAAI!! - Gritei com todas as forças que podia.
-
Allana! - Meu irmão estava do meu lado, sem camisa, apenas com uma calça de
moletom cinza. Seus cabelos estavam bagunçados por se mexer tanto enquanto
dorme. - Tudo bem? Você teve um pesadelo?
- De
novo... De novo... - Ele entendeu o que eu quis dizer e apenas me abraçou.
Senti o forte cheiro do seu perfume, que impregnara em seu corpo como se o
cheiro sempre o pertencesse. Dessa forma, me senti mais segura.
- Eu
estou aqui pra cuidar de você. Você vai esquecer o que passou, vai parar de
sonhar com isso de novo, e de novo... Vamos, pense na nossa família, em um dia
feliz. - Deitei em seu peito enquanto ele mexia em meus cabelos e pensei na
nossa família feliz.
Fiz
o que ele disse. Enquanto dormia em seu peito tive um sonho com uma família,
mas não era a minha. Sonhei que estava em um parque, com duas crianças lindas,
uma garotinha de cabelos loiros e um garoto de cabelos negros. Ambos brincavam
debaixo da árvore em que estávamos. Meu irmão apareceu, fazendo as crianças
gritarem por ele e indo até seu encontro chamando-o de "papai". Mas o
estranho de tudo é que assim que os três chegaram do meu lado, o garotinho, que
era o mais novo, me abraçou e se aninhou em meu colo. Eu escutei claramente ele
me chamando de "mamãe".
DANIEL
Allana
ainda dormia aninhada em meu peito. Deveria estar tendo um sonho bom, talvez o
primeiro desde aquele maldito dia. O relógio na parede marcava 09:17 a.m, mas
sabia que estava cinco minutos adiantado.
-
Allana, vamos tomar café da manhã. Já está na hora!
Ela
resmungou um pouco antes de finalmente abrir seus grandes olhos verdes. Ela
corou ao me ver e se separou rapidamente de mim, talvez com vergonha do seu
mínimo baby doll (que ela mesma colocara antes de dormir, sem a minha presença,
claro) e do fato de estar sem sutiã. Como se eu me importasse com o corpo da
minha própria irmã!
Levantei-me
da cama e abri a enorme janela. Senti, pelas costas, dois olhos verdes me
encarando. Ela está meio estranha hoje, talvez tenha tido algum sonho em que eu
era um assassino. Minha irmã costuma ser movida pelos seus sonhos, o que eu
acho meio estranho, mas é algo que ela sempre levou à sério. Deve ser por isso
que ela tem muitos dejá vùs...
-
Vou pedir pra nossa mãe te trocar.
-
Não Dan, sinto minha perna cada vez melhor. Acho que consigo colocar um short e
uma blusa sozinha. Poderia trazer pra mim?
Fui
até o guarda-roupa em seu quarto e peguei sua roupa. Voltei até onde ela
estava.
Entreguei
as peças e peguei uma camiseta qualquer para vestir. Saí rapidamente e fui até
a cozinha.
-
Bom dia querido. - Minha mãe preparava seu chá matinal. - O café da manhã dos
dois está em cima da mesa. Seu leite é com café e o da Allana é com chocolate.
Os pães com maionese estão em um prato.
-
Obrigado, mãe.
Peguei
tudo e subi as escadas. Tive que colocar um copo no chão pra poder bater na
porta.
- Já
se trocou Allana?
- Tô
quase lá... - Gritou como se eu estivesse do outro lado da rua.
-
Não quer ajuda?
- Já
coloquei, pode entrar.
Assim
que abri a porta, ela abotoava com certa dificuldade seu short preto. Menina
cabeça dura. Coloquei tudo numa escrivaninha e fui ajudá-la.
-
Seria muito mais fácil se pedisse ajuda. E abotoar um short quando se está
sentada não dá certo. - Empurrei seus ombros - Você tem que deitar!
-
Você vai ver minha calcinha! - Ela me empurrou e abotoou com uma dificuldade
ímpar. Apenas deixei ela se virar.
-
Você fala cada coisa idiota. Como se eu nunca tivesse dado banho em você.
-
Vai continuar lembrando disso, é?
-
Não. Só acho ridículo você ter vergonha de mim. Seu próprio irmão. - Dei o copo
de leite com chocolate pra ela. - Eu estou aqui pra te ajudar, não para abusar
de você.
-
Não foi isso que quis dizer. Apenas tenho vergonha de você.
-
Pegue um pão. É com maionese, seu preferido.
Liguei
a TV e comemos, quietos.
- Estou
entediada, Dan... Olha meu machucado. Não deve estar tão ruim... Será que eu
posso...
Olhei
seu machucado, ainda estava bem feio. Mas a melhora de ontem para hoje é bem
visível.
-
Aguente só mais hoje, pode ser? Prometo deixar seu dia tão bom que você vai
esquecer que está em um quarto sem poder andar. - Fui pegar gaze para refazer o
curativo, a pomada e o "pó mágico".
Refiz
o curativo, enquanto ela continuava quieta. Allana nunca fica quieta por muito
tempo.
- O
que está pensando?
-
Nada. - Ela não consegue mentir.
-
Foi algum sonho? - Ela arregalou ainda mais seus olhos esmeralda. Então, o
motivo é algum sonho... - Foi sobre mim? - Ela evitou meu olhar. Bingo de novo!
- Eu te matava?
Ela
apenas abaixou a cabeça. Agora estou na dúvida, foi isso ou não?
-
Você não vai querer saber...
-
Quando é sobre mim eu sempre quero. Me conte! - Segurei em seu queixo e subi
seus olhos até os meus. - Não me enrola, Allana.
-
Não quero contar... Foi estranho. Você e eu... Nós...
-
Nós?
-
Quero água. - A arte de "fugir pela tangente", Allana domina.
- Já
entendi... - Fiz cara de tédio e me virei para pegar água. Nesse momento, ela
estava encarando a televisão, mas absorta em pensamentos que eu daria qualquer
coisa para ler...
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