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segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Capítulo 6~



Estou embarcando em mim mesma
Eu tenho que ter cuidado com meus pensamentos
Antes que eles peguem vida
Antes que eles peguem vida
Eu tenho que tirar você da minha cabeça
Eu tenho que engolir minha língua
Eu tenho que descobrir onde fui parar”
- Mint (Olívia Lufkin)

ALLANA
É claro que eu jamais contaria meu sonho. Com certeza meu irmão me chamaria de pervertida, pecadora assídua ou incestuosa. Ou as três coisas de uma vez.
De qualquer forma, eu não mando nos meus sonhos. Então não posso ser culpada por isso, mas o problema é que sou movida por eles. Parece ser meio idiota, mas sou movida pelos meus sonhos bizarros. Eu penso neles e às vezes acho que são um presságio. Isso só aconteceu uma vez, quando meu irmão se machucou com a bicicleta. Lembro-me do sonho claramente: Ele me ensinava a andar e ficava se mostrando com sua bicicleta maior e mais bonita que a minha. Então, ele não viu uma lata enorme de lixo do nosso vizinho e foi de cara (e bicicleta) pra cima do lixo, dando uma pirueta muito louca. Depois disso, não lembro de mais nada.
Mas, a realidade foi muito pior: Ele não queria me ensinar a andar de bicicleta e quando foi atravessar a rua para ir ao parque, não viu a motocicleta que se aproximava em alta velocidade. Na verdade, com meu grito estridente, ele notou no tempo suficiente para se jogar na calçada, direto de encontro ao lixo do vizinho, dando aquela pirueta louca do meu sonho. Tudo bem, com o tempo fui tentando me convencer que uma coisa não tinha nada a ver com a outra. Mas juro, a pirueta era igualzinha, e resultou em um braço quebrado e num rosto machucado.
- Está aqui sua água... Pode me dizer?
- Não insiste, Dan.
- Acho que me conhece um pouco pra saber que sou curioso.
- Continue insistindo então, vai perder seu tempo.
Ele coçou a cabeça, impaciente. Mas preferiu não continuar nesse assunto, para minha sorte. Bebi metade do copo de água e coloquei os fones de ouvido pra escutar a voz da Olívia, como sempre.
Ele bebeu a outra metade da água me olhando com cara feia, depois disse algo que não escutei, por causa dos fones. Eu não consigo fazer leitura labial, então fui obrigada a pausar a música.
- O que você disse?
- Eu perguntei por que você não consegue beber um mísero copo de água?
- Porque eu deixo pra você tomar o resto. - Sorri. - Ah Dan, eu estou entediada. Não aguento mais ficar aqui! Não que seu quarto não seja legal, mas eu não posso nem tocar no que observo nele!
- Que bom né? As coisas na sua mão quebram-se em cinco segundos! - Olhei pra ele, o olhar entediado - Que tal jogarmos alguma coisa?
- Tipo o quê?
- Gosta de jogos de cartas?
- Não.
- Banco imobiliário?
- Não...
- Hn... Jogo da memória?
- Claro que não...
- Jogo de videogame, de tiro ou aventura?
- Ah, não...
- Então não sei o que você quer!
- Que tal um filme? Gosto de filmes de terror...
- Jura? Então a gente vai assistir um filme que eu gosto bastante.
Ele foi em direção à sua estante e pegou uma capa de DVD. Quando o filme começou percebi ser o clássico "O Chamado".
- Falam que esse filme é tão sem graça...
- Ele é um clássico pra mim. De certa forma, é o menos pior que eu tenho. - Ele riu. - Se eu te mostrasse outros dvds, você não dormiria por uma semana.
- Está me chamando de medrosa, Dan?
- Claro que não, sua boba.
Antes que Dan apertasse o “Play”, mamãe aparece no quarto.
- Crianças, estou indo no... - ela fez uma pequena pausa, talvez procurando uma palavra menos ruim para velório - enterro. Não quero que vão, pois nossos familiares podem deixar vocês piores do que estão.
- Eu entendo mãe. Allana também não pode andar... De qualquer forma, assim que ela melhorar iremos visitá-lo.
Ela chegou perto da cama e beijou meu irmão na testa e veio até mim, fazendo o mesmo.
- Vamos superar isso, queridos. Vamos superar. - E saiu do quarto, com os olhos marejados. Essa mulher tão linda, estava com olheiras tão grandes, como se tivesse chorado a noite toda.
Como se lesse meus pensamentos, Dan apenas disse no meu ouvido:
- Vamos superar isso Allana, confie em mim.

Ele apertou o “Play” e o filme começou, nos obrigando a esquecer um pouco os problemas do lado de fora do quarto.
Ficamos sentados na cama dele, com as costas na parede. Minha perna ficava na minha cama, esticada. Ele passara seu braço por cima do meu ombro, para que eu o usasse como travesseiro e para que quando surgisse alguma cena feia, fosse mais fácil colocar a mão em meus olhos. Ah, irmãos...
Enquanto a Samara me dava alguns sustos, meu irmão ria e escondia meu rosto com sua mão, para que eu não visse algumas partes mais legais do filme. Além disso, ficava toda hora jogando meu cabelo pra frente e me dizendo que vim do mesmo poço que a personagem assustadora do filme.
- Você não vai me deixar assistir?
- Fazer brincadeiras com você é mais engraçado. - Ele ria, enquanto eu pegava meu travesseiro e jogava nele.
- Pra mim não tem graça!
- Mas você dá risada! Aliás, como está sendo seu dia nesse quarto? Espero que não esteja entediada.
- Claro que não estou entediada, Dan!
- Que bom, Allana. - Ele remexeu no meu cabelo, deixando-o mais bagunçado do que já estava. E me encarou, quieto.
Ficamos nos encarando por um bom tempo, até que ele levantou suas mãos em direção às minhas bochechas.
- Por que está corada?
Desviei o olhar.
- Hun... O almoço está pronto?
Como se entendesse, levantou-se e ainda de costas disse:
- Volto daqui a pouco.

DANIEL
"Não, não. Isso tá errado!", pensei comigo mesmo.
Fui até a cozinha, o cheiro estava maravilhoso.
Como um instinto maternal, minha mãe deixou todo o almoço pronto. Peguei dois pratos e subi novamente as escadas. Allana estava deitada de lado, olhando para a porta.
- Algum problema?
- Nenhum. Fora o fato que você me deixou vendo um filme de terror sozinha aqui.
- Você não disse que esse filme era sem graça?
- Mas assusta.
Não pude conter um riso, enquanto ela agia como uma criança. Isso a deixou ainda mais brava.
- Vai rir às minhas custas, Daniel?
- Pequena criança... Agora tem um adulto do seu lado. E aqui não há nenhum poço para que nenhuma monstrinha saia dele! - Coloquei os pratos na escrivaninha e deitei do seu lado, a abraçando.
- Mas você viu que ela saiu da televisão? Pois é, nessa casa existem quatro televisões!
- Allana! - Aninhei ela em meu peito. - Quanto exagero, nem parece que tem dezenove anos!
- Para de ser chato comigo.
- Tudo bem, bebezão. - Baguncei seu cabelo - A comida já está ali. Vamos comer agora.
- Hey, olha a minha perna? Quero saber se estou me recuperando rápido...
Levantei-me e fui tirar o gaze do seu machucado, que ela mesma havia colocado à noite para que o remédio não saísse enquanto ela dormia. Realmente, acho que aquele pó cicatrizante é um verdadeiro milagre, pois o machucado já está bem melhor de ontem para hoje.
- Do jeito que está indo, depois de amanhã a gente volta ao hospital para tirar os pontos.
- Jura? Mamãe disse que voltaríamos no sábado para fazer isso...
- Mas o pó cicatrizante está melhorando muito seu machucado.
- Isso é uma ótima notícia, Dan!
Acenei concordando. Ela sorria radiante, porque amanhã estaria mancando, mas de pé.
- Que tal um passeio pelo parque, amanhã?
- Vai pegar o carro da mamãe?
- Vou sim.
- Quero muito ir!
Enquanto eu pegava o seu almoço na escrivaninha e colocava em seu colo, minha irmã me encarava, com aqueles olhos verdes penetrantes.
Perguntei-me então, se ela estaria pensando nas mesmas loucuras que estou quando olho para ela...

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